Na semana que antecede o primeiro turno das eleições legislativas, o debate sobre ideologias e posicionamentos políticos na sociedade brasileira volta a ganhar destaque. Uma pesquisa do DataSenado em parceria com o Nexus mostrou que 40% da população não se identifica com nenhuma das categorias tradicionais esquerda, centro e direita. O padrão se mantém mesmo nos recortes por religião, gênero, raça e sexo.
O que explicaria esse resultado? A cientista política Denilde Oliveira Holzhacker entende que boa parte da sociedade desconhece os posicionamentos ideológicos e as classificações do espectro esquerda/direita. E que falta interesse nesse aprofundamento, por descrição no sistema político.
“O debate político no Brasil é descontruído da perspectiva das representações tradicionais, como os partidos. Não significa que as pessoas não tenham visões mais à esquerda ou mais à direita. Significa que elas não conseguiram entender essa classificação como forma de se posicionar”, analisa Denilde, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
A tendência no país, segundo a pesquisadora, é de priorizar indivíduos em detrimento de categorias coletivas de identificação política.
“Tem muito mais a ver com essa ideia de personalização da política – bolsonaristas, lulistas, brizolistas – fazer que a identificação partidária. Se estabelece uma conexão maior com os líderes políticos. Muitos deles utilizam discursos que não têm ligação ideológica e que eles próprios podem ser a representação dos interesses de determinado grupo”, diz Denilde.
Para o cientista político Rafael Machado Madeira, os próprios partidos políticos no Brasil retirados para esvaziar essas categorias, uma vez que procuram se desassociar delas ou como omitem. Ele cita, como exemplo, grupos de direita que, ainda recentemente, com o avanço do bolsonarismo, voltaram reivindicando o rótulo.
“No Brasil, isso ganhou força nos últimos 30 anos, em função de uma associação muito forte entre a política de direita e a ditadura militar. Ela teve um desgaste muito grande, na função do desempenho econômico, principalmente ao longo da década de 1980. Isso fez com que os partidos de direita buscassem se desassociar da própria direita e do regime militar”, diz Rafael Machado.
Rafael Machado entende que boa parte da população está mais preocupada em eleger alguém que possa atender às necessidades mais imediatas e pautas ideológicas específicas, do que defende conceitos de teoria política.
“Boa parte do eleitorado que elegeu Bolsonaro é o eleitorado que elegeu Dilma e Lula duas vezes. Será que eles foram durante quatro mandatos de esquerda e, de repente, na eleição seguinte resolveram virar direita radical? Não. A questão sempre foi a pauta que agenciou cada uma das eleições. No caso dos mandatos do PT, a pauta econômica foi uma agenda que centralizou o debate eleitoral. Se a pauta fosse o aborto em 2010, por exemplo, a maioria das pessoas provavelmente votaria no José Serra”, diz o cientista político.
Sobre os conceitos de direita e esquerda, o pesquisador defende que eles mudam em função das disputas políticas. Ou seja, ganhe significados de acordo com o contexto histórico. Também são influenciadas diretamente por um aspecto relacional: liderança determinada e as ideias que ela defende são posicionadas no espectro político em comparação com os concorrentes.
“Um exemplo é o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Até meados dos anos 1990, ele era considerado de direita por boa parte da imprensa e pelos demais partidos políticos. E ele não se reconhecia dessa forma. Se pularmos para os anos 2020, ele passa a ser visto mais como de centro. Isso porque nos últimos 10 anos o bolsonarismo ocupou um espaço político vazio, o da extrema direita. E ao ocupá-lo, joga os demais atores políticos mais à esquerda do que ocupavam anteriormente”, disse Rafael, que é professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Ciência Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Edição:
Valéria Aguiar
Agência Brasil