No Brasil, a presença do vírus HIV em um organismo de doadores é um dos poucos fatores que impedem a doação de órgãos que ainda estão em condições de serem doados, embora quem já esteja infectado pelo vírus possa receber um transplante. A infectologista Lígia Pierrotti, membro do Comitê Científico de Infecção em Transplante e Imunodeprimido da Sociedade Brasileira de Infectologia, ressalta que a situação de seis pacientes do Rio de Janeiro que foram infectados pelo vírus HIV ao receber transplante de órgãos é sem precedentes e não deve ser tratado como um acontecimento dentro da normalidade.
“É inaceitável o que houve, o que houve é crime”, afirma. Ela garante, no entanto, que há protocolos no Sistema Único de Saúde (SUS) para que estes pacientes recebam cuidados, já que os tratamentos para pacientes transplantados que já tinham HIV antes do transplante estão consolidados no país. “A gente já tem experiência com isso”.
Após receber um transplante, de acordo com um infectologista, todos os pacientes precisam fazer o uso contínuo de medicação para diminuir a imunidade e evitar que o organismo rejeite o novo órgão. Essa medicação é compatível com o chamado coquetel para HIV.
“Eles vão fazer uso de medicação para diminuir a imunidade e não ter perda. Então, para toda a vida, eles têm um acompanhamento, em geral, com as equipes de transplante ou com equipes que têm experiência nesse atendimento, para fazer uso de medicamentos imunossupressores e vários medicamentos para garantir o funcionamento do órgão transplantado”, explica Pierrotti.
Acrescenta: “junto com isso médico, agora, esses pacientes que estão infectados, eles também vão fazer o tratamento da infecção do HIV, tomando uma terapia antirretroviral altamente eficaz, que é o coquetel do HIV, que todo mundo conhece, fazendo todo o envio especializado do HIV. Então, a gente vai somar duas vertentes de cuidado, que são totalmente compatíveis”.
Há também, de acordo com um infectologista, os casos de pacientes transplantados que adquiriram HIV ao longo da vida, que também seguem o tratamento normalmente. Ela destaca que os medicamentos evoluíram muito ao longo dos últimos anos, proporcionando mais conforto aos pacientes. “Ao longo dos últimos 30 anos a gente aumentou muito o número de drogas antirretrovirais que a gente tem disponíveis e hoje, felizmente, não temos nenhum cenário, no arsenal terapêutico do HIV, várias drogas que podem ser utilizadas com maior segurança no paciente transplantado”.
Doação de órgãos
A soropositividade para HTLV – vírus linfotrópico de células T humanas, retrovírus humano que pode causar câncer – também é outro impeditivo para a doação de órgãos no país, bem como a tuberculose ativa. Para garantir que os órgãos a serem doados estejam em condições perfeitas, é feito uma bateria de exames. Foi nesta etapa que houve falha no caso dos seis pacientes transplantados do Rio de Janeiro, o que, de acordo com Lígia Pierrotti, é uma situação sem precedentes e que não deve ser tratada como um acontecimento dentro da normalidade.
Para a médica, as normas existentes são seguras, e o que ocorreu foi um descumprimento das regras que existem e não um problema nas regras em si. “Não houve uma falha no que é preconizado, houve uma falha em seguir do que é preconizado. Hoje a gente tem várias orientações do que é preconizado tanto no cuidado, na cadeia de cuidado, desde a identificação do potencial doador até a realização do transplante, e depois até o protocolo de envio do receptor”, diz.
Sistema de transplantes
O Sistema Nacional de Transplantes é considerado o maior programa público de transplante de órgãos, tecidos e células do mundo. Ele é garantido a toda a população por meio do SUS, e é responsável pelo financiamento de cerca de 88% dos transplantes no país, segundo dados do Ministério da Saúde.
O transplante de órgãos pode salvar vidas em caso de órgãos restritos como o coração, bem como devolver a qualidade de vida, quando o órgão transplantado não é vital, como os rins. Com o transplante, é possível ter um prolongamento da expectativa de vida, permitindo o restabelecimento da saúde e, por consequência, a retomada das atividades normais.
Em todo o país, 44.844 pessoas esperam pelo transplante de um órgão, de acordo com o Ministério da Saúde. A maior parte, 41.445, está na fila por um aro. O fígado aparece em segundo lugar, com fila de 2.325 pessoas, seguido pelo coração, com 436. São Paulo é estado com o maior número de pessoas que aguardam um transplante, 21.601. O Rio de Janeiro aparece em quinto lugar, com 2.160 pessoas na lista de espera.
Edição:
Aline Leal
Agência Brasil