Familiares da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, mortos em 14 de março de 2018, prestaram depoimento nesta quarta-feira (30) no primeiro dia de julgamento de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, assassinos confessos da vereadora, no 4º Tribunal de Juri, no Rio de Janeiro.
Marinete Silva, mãe de Marielle; Mônica Benício, viúva da vereadora, e Ágatha Arnaus, viúva de Anderson Gomes, contando o quanto os assassinatos impactaram a vida das famílias nesses seis anos e sete meses.
Os réus responderam pelos crimes de duplo homicídio triplamente qualificado – motivo torpe, emboscada e recurso que dificultou a defesa da vítima – tentativa de homicídio contra Fernanda Chaves, assessora de Marielle e recepção do veículo usado no crime.
Os dois acusados estão acompanhando os depoimentos por videoconferência diretamente das unidades onde estão presos. Ronnie Lessa está na Penitenciária de Tremembé, no interior de São Paulo, e Élcio está no Centro de Inclusão e Reabilitação, em Brasília.
São esperadas nove testemunhas no total, sendo sete indicadas pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e duas pela defesa de Ronnie Lessa. A defesa de Élcio Queiroz desistiu de ouvir as testemunhas que haviam sido solicitadas anteriormente.
Depoimentos
A primeira testemunha ouvida foi Fernanda Chaves, que estava no carro com a vereadora Marielle Franco e com o motorista Anderson Gomes no momento do crime. Na sequência, falaram Marinete Silva, Mônica Benício e Ágatha Arnaus.
Indagada pelo Ministério Público e pelos advogados assistentes de acusação, Marinete Silva, mãe de Marielle, não se opôs a que os réus acompanhassem seu depoimento. Ela classificou como crueldade o assassinato e disse esperar uma denúncia justa pelo que aconteceu com sua filha.
“Era minha primogênito, minha primeira filha. Era uma filha que eu me dediquei a vida inteira para criar, com muito sacrifício. Tiraram um pedaço de mim. A gente quer é preciso de uma reportagem justa para minha filha. Espero essa especificações e a sociedade espera essa especificações”, declarou Marinete.
Marinete disse que não concordou com a vontade da filha de se eleger vereadora, mas que não poderia impedir. “Eu fui contra. Eu não senti uma coisa boa no meu coração em relação a um mandato partidário. Isso me preocupou bastante, mas quem era eu naquela época para contrariar aquela mulher com quase 38 anos?”, disse.
Mônica Benício
A vereadora Mônica Benício, viúva de Marielle, chorou em diversos momentos do depoimento, e disse precisar de soluções e tratamento psicológico até hoje para lidar com a perda.
Questionada pela promotoria sobre o envolvimento de Marielle em questões fundiárias, uma das possíveis causas para o assassinato, Mônica confirmou que eram pautas prioritárias na atuação política da vereadora.
“Eu sou arquiteta e urbanista de formação, então essa pauta sempre me interessou e acompanhava, ouvindo um pouco mais de perto. Marielle era uma companheira arquiteta e urbanista, e ela não era mandatada com razão para discutir o direito à cidade, de maneira interseccional. E Marielle também defendeu o direito à moradia digna na perspectiva da favela e da periferia”, disse Mônica.
A viúva de Marielle reforçou o quanto ela era atuante como vereadora e que o assassinato interrompeu uma trajetória em ascensão no campo político.
“Marielle não estava no momento mais feliz da vida dela. Isso é o mesmo reconhecível na vida profissional. Não tinha dúvida nenhuma. Quem acompanhou a campanha, o início do mandato de Marielle viu, um ano e três meses depois, viu se transformar em uma figura enorme. Fosse pelas falas, pela postura, fosse pela segurança, reconhecimento pessoal do que queria. Ela era uma figura em ascensão política no partido, isso era notório”, disse Mônica.
Sobre a expectativa em relação ao julgamento, Mônica comentou a importância das condenações para a sociedade. Mas disse que, no campo pessoal, uma justiça plena é impossível.
“A única justiça possível seria não precisar estar aqui e ter a Marielle e o Anderson vivos. Mas para além disso, dentro do que é possível, espero que se faça a justiça que o Brasil e o mundo esperam há seis anos e sete meses. Porque isso é importante também. Não só para o símbolo, mas para Marielle Franco, defensora dos direitos humanos, para o Anderson, pai do Arthur e marido da Ághata, enquanto pessoas, para que a gente possa dar o exemplo de crimes como esses não podem voltar a acontecer”, disse Mônica.
Ágatha Arnaus
A viúva de Anderson Gomes, Ágatha Arnaus, foi quarta a depor nesta quarta-feira. Além da dor causada pela perda do marido, ela comentou o impacto sobre os cuidados do filho Arthur, que tem uma condição rara de saúde, e tinha um ano e oito meses na época do assassinato. Ela tem certeza de que o filho teve atrasos de desenvolvimento por causa da morte do pai.
“Eu tenho certeza que sim, porque desde a barriga quando o Anderson conhecia, o Arthur se mexia. A primeira coisa que o Arthur falou foi papai. Uma criança que sempre esteve com os dois. E aí, depois, por não ter pai, a mãe ficou saindo o tempo todo para ir à delegacia, para ir em caminhadas, para voltar a trabalhar”, disse Ágatha.
“O Arthur passou mal todo dia 13 ou 14 do mês, depois da morte do Anderson. Acho que muito também por ver na televisão e pelo jeito que eu chegava em casa. Ele já tinha perdido o pai. Eu estava resolvendo outras coisas também relacionadas à morte. Momento que ele ficou sem o pai e sem a mãe, porque muitas vezes eu estava na rua resolvendo outras coisas”, complementou.
Ter de lidar com todas as questões de saúde do filho sem Anderson a levou ao limite, revelou. “O pior momento foi seis meses depois do assassinato, quando Arthur precisou passar por uma cirurgia. Os médicos chegaram a falar que ele não aguentaria, que eu deveria estar qualificado. Foi a única vez que eu consegui que ele não aguentaria. E eu passei a achar naquele momento, sem o Anderson, que eu também perderia o Arthur, que eu ficaria sozinho, e que minha família tinha acabado”.
A viúva disse que está na expectativa de que os acusados sejam finalmente responsabilizados pelo crime.
“Eu espero que as pessoas que me tiraram o Anderson, o pai do Arthur, paguem pelo que eles fizeram. Eu não tenho como relatório de forma alguma, eu não substituo o Anderson de forma alguma para o Arthur”, disse ao encerrar o depoimento.
Agência Brasil