Desde 2015, a política brasileira tem sido marcada por uma intensa polarização entre direita e esquerda. A ascensão do bolsonarismo, impulsionada por uma onda conservadora e reacionária, transformou o então deputado federal Jair Bolsonaro em um verdadeiro “mito” para seus seguidores. Desde então, o cenário político se assemelha a um confronto futebolístico, no estilo de um clássico Flamengo x Fluminense, com torcidas fervorosas de ambos os lados. Esse clima de rivalidade extrapola as fronteiras nacionais, influenciando também as eleições em países como Argentina, França e Estados Unidos, onde a disputa entre direita e esquerda se tornou um fenômeno global.
No Brasil, o cenário não é diferente. Eleições em um estado como São Paulo, por exemplo, ganham uma repercussão quase nacional, como se fossem um segundo turno presidencial. Nos últimos anos, a direita, especialmente a bolsonarista, cresceu de forma significativa, conquistando espaço nas redes sociais e mobilizando uma base eleitoral fiel e engajada. Desde o confronto acirrado entre Dilma Rousseff e Aécio Neves em 2014, quando o bolsonarismo começou a dar seus primeiros passos, a esquerda tem enfrentado dificuldades em se adaptar a esse novo cenário, especialmente após a desmobilização do movimento sindical. Outrara, uma das principais forças da base de apoio progressista.
A Crise da Esquerda e a Possível Reviravolta em 2024
A direita consolidou sua influência nas redes sociais, com estratégias de comunicação digital e o uso de fake news que a esquerda ainda luta para replicar de forma eficaz. O movimento sindical, que tradicionalmente era uma força motriz da esquerda, foi enfraquecido pela reforma trabalhista de 2017, liderança pelo governo Michel Temer, onde se tornou opcional a contribuição sindical. Isso desarticulou uma base operária que historicamente apoiava os partidos de esquerda, deixando uma lacuna na mobilização social que até hoje não estava totalmente preenchida.
Contudo, a esquerda parece ter encontrado novas estratégias para reconquistar espaço e, possivelmente, virar o jogo em 2026. No final de 2024, surgiram dois projetos de lei que podem se tornar peças-chave na disputa eleitoral e que já geraram burburinho nas redes sociais e no Congresso Nacional. Esses projetos, apelidados de “filhos” da esquerda, têm potencial para mexer com as estruturas do poder e trazer um novo capital eleitoral e popular ao campo progressista, atraindo a simpatia dos parlamentares do centro e da direita.
A PEC do Fim da Escala 6×1: Um afago no Corpo e na Alma da População
Os primeiros esses projetos são a PEC do fim da escala 6×1 que busca acabar com o sistema de trabalho que obriga os funcionários a trabalharem seis dias consecutivos para relaxar apenas um. Esse modelo atinge principalmente os trabalhadores das classes C e D, onde se encontra a maior parte da população brasileira. A proposta, além de ser um alívio para milhões de trabalhadores, já tem repercussão nas redes sociais, mobilizando tanto lulistas quanto bolsonaristas. Diante desse cenário, até parlamentares da direita começaram a demonstrar um certo apoio, temendo a repercussão negativa de se opor a uma medida com tamanho clamor popular. A PEC se apresenta como uma bandeira difícil de ser derrubada, uma vez que impacta diretamente a vida de milhões de brasileiros de baixa e média renda. O máximo que pode acontecer é uma alteração no texto original.
Redução dos Supersalários: Uma Questão de Coragem
O segundo projeto é uma iniciativa do deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP), que propõe a redução dos supersalários no Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público. Trata-se de uma proposta ousada e polêmica, que desafia diretamente a elite dos servidores públicos, afetando aqueles que estão no topo da pirâmide salarial. O tema é delicado, pois mexe com os privilégios de uma elite que, historicamente, sempre resistiu a qualquer tentativa de redução de seus ganhos. Curiosamente, é uma pauta que a direita, representada por Bolsonaro e seus seguidores, frequentemente clamava, criticando os altos avanços dos membros do Judiciário e do Legislativo, mas que nunca teve a coragem de levar adiante de forma efetiva durante o governo anterior.
Ao propor a redução dos supersalários, Boulos mexe em um vespeiro que envolve interesses de várias esferas do poder. No entanto, sua proposta também é um ataque direto à narrativa bolsonarista, que sempre foi apontado como os “combatentes” dos poderes, na condição de adversários, ao pregar a “nova política”, prometida em 2018, mas que nunca ousou enfrentar de forma prática. A medida, se aprovar, poderia representar uma conquista popular significativamente e um marco para a esquerda, que se posicionaria como verdadeiro representante da justiça social e do combate aos privilégios.
O Dilema da Direita: Apoiar ou Rejeitar?
Diante desses dois projetos, a grande questão que fica é como a direita vai reagir. Ambos os projetos tocam em temas sensíveis que, se rejeitados, podem custar caro em termos de popularidade e apoio nas redes sociais, futuramente nas próximas eleições.
A PEC do fim da escala 6×1 é uma pauta claramente popular, difícil de ser combatida por atrair o risco da impopularidade. Já a proposta de redução dos supersalários representa um desafio ideológico: seria à direita capaz de se opor a um projeto que ela mesma sempre defendeu, como redução de gastos e a redução da máquina pública? Pelo menos no discurso!
Caso a direita decida apoiar as propostas, corre o risco de reforçar a pauta progressista e dar crédito à esquerda em um momento crucial, a apenas dois anos das eleições presidenciais. Por outro lado, se optar por rejeitá-las, poderá enfrentar um desgaste significativo, especialmente junto à população de menor renda, que compõe uma fatia expressiva do eleitorado.
Conclusão: Uma Nova Era para a Política Brasileira?
Os próximos meses serão decisivos para a política nacional. À esquerda, depois de anos observados ao crescimento da direita, parece finalmente ter encontrado uma fórmula capaz de atrair o eleitorado popular e, ao mesmo tempo, desafiar os pilares do poder que sempre sustentaram o status quo. Com a PEC do fim da escala 6×1 e o projeto de Guilherme Boulos, a esquerda pode estar plantando as sensações de uma nova onda progressista que, se bem transportada, poderá redefinir o cenário eleitoral de 2026.
A grande dúvida que fica é se a direita terá a coragem de enfrentar esses temas de forma clara ou se renderá ao clamor popular, apoiando propostas que, mesmo originadas no campo adversário, podem definir o futuro político do Brasil. O que está em jogo não é apenas a aprovação de projetos, mas a direção que o país tomará nos próximos anos e as declarações de um novo ciclo político que pode, finalmente, quebrar a polarização instaurada na última década.
Eugênio Falcão
Jornalista e Analista Político
Portal Notícia Extra