Ser invisível. Quando criança, muitas vezes, sonhamos em ter esse ‘poder’. No entanto, se os adultos nos tornam invisíveis, isso quer dizer que somos totalmente excluídos da sociedade e, muitas vezes, desacreditados até por nós mesmos. As pessoas em situação de rua estão na lista desses seres sociais desesperados pela maioria. Conjuntura que começa a ser modificada quando eles colocam os pés no Centro Pop, administrado pela Prefeitura de João Pessoa.
O Centro Pop é um dos braços da Coordenação da Proteção Social Especial de Média Complexidade da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (Sedhuc). Espaço acolhedor, é também endereço certo para quem precisa de direcionamento na vida para alcançar o mínimo de dignidade, seja através do mundo concreto de um prato de comida ou o encaminhamento para um emprego; ou no mundo subjetivo, de um abraço e um olhar sem julgamentos.
“O Centro Pop atende toda pessoa e família em situação de rua. A demanda é espontânea. Eles chegam através de indicação, às vezes também vem encaminhado pela Defensoria Pública, do Escritório Social, do Consultório na Rua, de alguns serviços como o Ruartes, que é o serviço de abordagem também. Mas a maior parte é a demanda espontânea. Toda e qualquer pessoa em situação de rua e vulnerabilidade social é atendida aqui”, explicou a coordenadora do Centro Pop, Maria do Amparo dos Santos.
Ao cruzar o caminho do Centro Pop, as pessoas em situação de rua fazem um cadastro e voltam a existir. Já não são totalmente invisíveis, pois passam a ser enxergadas por Amparo e mais uma gama de profissionais que os recebem. São assistente social, pedagoga, advogado, educadores sociais, cozinheira, auxiliar de serviço, vigilante e uma pessoa no setor administrativo.
Todos os dias são servidos no local cerca de 170 refeições. São pelo menos 70 pessoas que passam por lá diariamente. Há também dormitórios e banheiros para que os atendidos repousem e possam fazer o asseio diário. É que muitos deles já foram iniciados para empregos e estão aguardando um pouco mais de estabilidade para conseguir alugar um cantinho para viver e, finalmente, ter endereço fixo. Antes disso, porém, há burocracias que permitem serem solucionadas. Mas, disso, o pessoal do Centro Pop também cuida.
“Quase que 80% a 90% chegam aqui sem nenhum documento. A gente começa o processo de retirada de documentos. Depois, encaminhamos para cursos oferecidos por parceiros. O Tribunal Regional do Trabalho é um desses parceiros, onde lá tem o projeto Ruas que Falam”, informou Amparo.
Atualmente, os beneficiários estão fazendo cursos de língua portuguesa, informática e teatro. Também estão prestes a iniciar um curso de confeitaria. Todas as chaves que abrem muitas portas para um recomeço.
E, para além desses encaminhamentos, o sentir-se gente é o que importa muito para eles, como falou um dos educadores sociais do Centro Pop, Dário Batista de Macedo, considerado a porta de entrada do local. “Tem que ter sensibilidade, tratar o próximo como gostaria de ser tratado e fazer o trabalho com amor. Se não existir amor, não tem como progredir. O que eu sinto neles é a carência do aperto de mão, a escuta, um abraço, conheça a história deles. Há muitos traumas, perda de familiares, decepção amorosa, crise financeira e drogas. Alguns revelam ser homoafetivos, são expulsos de casa e vão para a rua, e a rua é uma escola muito dura. Com esses cursos, esses encaminhamentos, eles voltam a sonhar”, acrescentou.
Viver nas ruas – A dependência química, o uso de drogas pesadas. Eis o grande vilão na vida dos nossos dois personagens dessa história, os quais vamos chamar de Ana e João (nomes fictícios). E eles estão confirmados. É um vilão criado por eles mesmos que levaram a se tornarem pessoas em situação de rua. Ambos tentam vencer o inimigo com o qual convivem há anos e o apoio encontrado no Centro Pop tem feito toda a diferença nessa caminhada.
“Eu passei um dia e vi o Centro Pop. Perguntei a algumas pessoas o que era e vim parar aqui. Para mim, está sendo um lugar de referência muito bom.
O Centro Pop me ofereceu essa oportunidade de entrar num curso de confeiteira. E tenho outro projeto agora, que é o teatro. Minha vida está sendo muito boa aqui, talvez aqui eu esteja fazendo uma grande mudança. Eu destruo minha vida por causa das drogas há muitos anos. Mas, eu quero recomeçar, quero me libertar do vício. Não está sendo fácil arrumar trabalho, porque tenho pouca escolaridade, mas se alguém me der uma oportunidade, eu prometo me engajar e fazer o melhor de mim, e mostrar para as pessoas, para minha família, uma diferença na minha vida”, desabafou Ana .
João também chegou às ruas por conta da dependência química. Acolhido no Centro Pop, ele sonha em ter casa e família, viver o refazimento com uma nova história e novos exemplos. “Sonho em andar nas ruas sem as pessoas olharem de cara feia para mim, de me olharem e verem um cidadão de bem. Se eu pudesse voltar no tempo, nunca experimentaria drogas. Mas, agora eu quero começar de novo e fazer uma história diferente”, concluiu.
Embora o consumo de drogas tenha sido o estopim para levar Ana e João a viver nas ruas, muitos são os fatores que culminam nessa realidade. “O que mais pega é a história dos conflitos familiares, da perda do vínculo, a perda do pai, da mãe, ficou órfão, e aí eles entendem que os irmãos mais velhos não têm obrigações de cuidar. E o uso abusivo também da droga é uma coisa que as famílias não aguentam mais e aí terminam abandonando. O fim dos matrimônios é uma coisa que a gente tem aqui contado, são muitos casos da desagregação familiar, da perda do vínculo, são as coisas mais fortes”, contornou Amparo dos Santos, coordenadora do Centro Pop.
Pedras no caminho – Começar do zero. É essa a expectativa de muitos dos que vivem em situação de rua. Uma tarefa não é tão simples assim. Principalmente se as oportunidades não acontecerem. Na estrada dessas pessoas, grandes obstáculos são encontrados, o preconceito é o maior de todos.
“Tem muita gente frequentando o Centro Pop e está querendo mudar, mas o grande problema é o preconceito para com a pessoa em situação de rua, tem um estigma, as pessoas rotulam logo. É de rua, não presta. eles pensam. A gente precisa acreditar mais nas pessoas. Ficamos muito tristes quando eles chegam à porta do emprego e o patrão descobre que é uma pessoa que vive em situação de rua. Aí o emprego não existe mais. Esquece tudo que aquela camarada é capaz ou aquela mulher é capaz de fazer em detrimento ao preconceito”, lamentou a coordenadora do Centro Pop.
Amparo dos Santos finaliza garantindo que uma oportunidade pode mudar tudo. Um exemplo que ela conta é de um ex-frequentador do Centro Pop que hoje é motorista de caminhão e agradece a chance que teve na vida de se refazer. “Ele olhou pra mim e disse: obrigada por não desistir de mim. Eu fui preso roubando carros e hoje sou motorista, porque tive oportunidade”, contornou.
“Quando a gente encaminha para os cursos, a gente está vendo uma possibilidade. A pessoa quer alguma coisa, foi estudar. A gente tem uma sala de aula aqui, tem pessoas já alfabetizadas tirando documento e assinando. Essa pessoa quer alguma coisa. Então, eu diria para os funcionários que colocam o caso em si. Acreditem neles, considerem a oportunidade deles estagiarem, que aí vão ver o resultado”, ressaltou.
Serviço – O Centro POP funciona na Rua 13 de Maio, nº 508, Centro, com atendimento de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h. Oferece trabalho técnico para a análise das demandas dos usuários, orientação individual e em grupo, encaminhamentos e encaminhamentos a outros serviços socioassistenciais (hospitais, maternidades, cartórios, fórum, Caps AD e Transtorno Mental, Cais, UBSs, Auxílio Brasil, Upas, Cras, Creas, TRE, TRT, MPU, Ceo, Sine, Ministério da Fazenda, Casa de Acolhidas, Cartão do SUS) e para as demais políticas públicas que possam contribuir na construção da autonomia e emancipação do indivíduo.