A escalada nos juros reais dos títulos públicos de longo prazo recoloca o Brasil em uma posição desconfortável — e perigosamente familiar. Desde dezembro, os papéis do Tesouro com vencimento em dez anos superaram consistentemente a marca de 7% ao ano, algo que não se via de forma contínua desde o auge da crise fiscal no segundo mandato de Dilma Rousseff, entre 2015 e 2016. O filme está longe de ser inédito, mas o roteiro preocupa.
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Assim como no governo Dilma, o mercado passou da dúvida para a certeza: não há confiança na trajetória fiscal. A diferença, agora, é que a deterioração não acontece por surpresa ou colapso repentino — mas sim por uma erosão gradual, previsível e aparentemente ignorada.
“O mercado já não lida com incertezas. Lida com a certeza de que a política atual não deve reduzir o endividamento”, resume Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro.
A desconfiança tem preço. Os títulos indexados à inflação (Tesouro IPCA+) com vencimento em 2032 saíram de 5,45% no início de 2023 para 7,84% agora. O papel de 2035 paga 7,57%, e até o título de 2026 atingiu 9,51%, algo alarmante para um papel de curto prazo. Na prática, o governo está sendo forçado a pagar mais caro para financiar sua dívida, mesmo em prazos curtos.
Esse comportamento é típico de países cuja credibilidade fiscal está em xeque. No segundo mandato de Dilma, a taxa real também explodiu, mas o gatilho foi o colapso da meta de superávit, os gastos descontrolados e as manobras fiscais. Hoje, o que assusta não é a explosão, mas a inércia.
Mesmo com o novo arcabouço fiscal, a projeção mais otimista fala em um superávit primário de 0,2% ao ano, o que é absolutamente insuficiente para conter a escalada da dívida — hoje em torno de 76% do PIB.
O mercado financeiro esperava um sinal claro de corte de gastos e responsabilidade fiscal no início do terceiro mandato de Lula. Em vez disso, recebeu medidas pontuais, como isenções, aumento de crédito e promessas de arrecadação. O discurso do ajuste foi engolido pela estratégia política.
“Até 2027, não vai ter mudança importante nenhuma”, afirma Julio Ortiz, CEO da Cx3 Investimentos. “O Brasil está crescendo em torno de 2% a 3%, mas da pior maneira possível, que é via consumo, sem aumentar o investimento e o ganho de produtividade.”
A crítica ecoa a mesma frustração vivida nos últimos anos do governo Dilma: crescimento de curto prazo alimentado por consumo, ausência de reformas estruturais e aumento da desconfiança — tanto interna quanto externa.
Durante a crise fiscal do governo Dilma, o diferencial entre os juros pagos pelo Brasil e pelos Estados Unidos (o “spread”) chegou a 7 pontos percentuais. Hoje, ele gira em torno de 5,5 pontos, mas com uma diferença crucial: ninguém vê perspectiva de queda.
E o cenário internacional também não ajuda. As tensões comerciais globais, agravadas pelas políticas protecionistas iniciadas por Donald Trump, empurraram os emergentes — Brasil incluído — para um ambiente de risco permanente. Isso faz com que até títulos curtos, como os de 2026, sejam tratados com cautela.
A grande semelhança com o governo Dilma está na recusa em adotar medidas impopulares para conter o rombo fiscal. Assim como em 2015, há um foco evidente na construção de capital político para a próxima eleição, às custas da credibilidade econômica. A diferença? Em 2016, a bomba já tinha estourado. Em 2024, ela está apenas fazendo tique-taque.
Sem sinalização firme de ajuste, o governo corre o risco de queimar o pouco espaço fiscal que resta e aprofundar a desconfiança que hoje paralisa investimentos, encarece a dívida e pressiona o setor privado. O mercado aprendeu com Dilma o que acontece quando se ignora os alertas.