26/11/2024 – 19h31
Marcos Oliveira/Agência Senado
Tema foi debatido na Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher
Mais de 1.500 brasileiros residentes no exterior pediram apoio das autoridades do Brasil para lidar com casos de violência de gênero ou doméstica em 2023. O país que mais registrou casos de violência contra brasileiros foi a Itália, com 350 casos, seguida dos Estados Unidos, com 240 casos; Reino Unido, com 188; e Portugal, com 127.
Os dados constam não Mapa Nacional da Violência de Gênero elaborado pelo Observatório da Mulher do Senado Federal. A partir de parceria com o Ministério das Relações Exteriores, o mapa passou a contar neste ano com os dados de violência de gênero e doméstica cometida contra mulheres brasileiras em outros países. Ao todo, mais de 2,5 milhões de brasileiros residem no exterior.
A coordenadora do Observatório da Mulher, Maria Teresa Prado observa, porém, que cerca de metade das repartições consulares brasileiras no exterior não registraram casos no ano passado, o que não significa que a violência não aconteça nesses lugares, e sim que não houve registros. Assim, os dados podem estar subestimados.
Os dados foram apresentados em audiência pública da Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher, nesta terça-feira (26).
Marcos Oliveira/Agência Senado
Daniela Grelin: “A violência contra as mulheres é frequentemente agravada pelo isolamento e pelo silenciamento das vítimas”.
Violência Vicária
Daniela Grelin, do Instituto Natura, que apoia a realização do Mapa Nacional da Violência de Gênero, citou também os dados da chamada violência vicária no exterior, ou seja, a prática de usar os filhos para agredir uma mulher. Foram registrados 808 casos de disputa de guarda e 96 casos de subtração de menores no ano passado.
“A violência contra as mulheres é frequentemente agravada pelo isolamento e pelo silenciamento das vítimas, e isso é especialmente debilitante para os brasileiros que vivem no exterior”, disse. “Barreiras como a dependência financeira, o status migratório irregular e o desconhecimento dos sistemas locais dificultam o acesso à justiça e à proteção”, completou.
“Esses dados são, portanto, um chamado para ampliarmos o alcance das leis aprovadas nesta Casa, garantindo que se traduzam em políticas públicas eficazes para todas as mulheres brasileiras onde quer que estejam”, acrescentou.
Convenção de Haia
A senadora Mara Gabrilli (PSD-SP) disse que os brasileiros sofrem discriminação nos países estrangeiros ao buscar ajuda das autoridades locais. Muitas vezes são acusadas de sequestrar os próprios filhos, que acabam devolvendo ao companheiro abusador.
“No momento de denunciar a violência que elas sofrem, sem acolhimento e tampouco medidas protetivas em outros países, depois de muito sofrimento, elas optam por fugir”, especificamente. exceto criminosas, enfrentam processos judiciais extremamente violentos, nos quais são revitimizados e ainda sofrem com busca, apreensão e repatriação dos seus filhos”, acrescentou.
Mara Gabrilli defendeu a aprovação pelo Senado do Projeto de Lei 565/22, já aprovado pela Câmara, para enfrentar essa situação e garantir que haja o retorno imediato da criança quando houver a prática de violência doméstica contra a mãe ou contra a criança. Hoje, de acordo com o senador, a Chamada Convenção de Haia, criada para impedir o sequestro internacional de crianças, vem sendo aplicada de forma a devolver sumariamente as crianças a seus genitores no exterior mesmo em situação de violência.
Marcos Oliveira/Agência Senado
Aline Guida: quase nenhuma legislação na Europa prevê medidas de proteção contra a violência psicológica, financeira e administrativa
Nova interpretação
Kaline Santos Ferreira, do Ministério das Mulheres, apoia o projeto de lei e disse que a pasta defende a aplicação da chamada Convenção de Haia de forma protetiva ao menor e de acordo com a Constituição brasileira. Ela também pede apoio da comissão para que a Advocacia-Geral da União dê nova interpretação para a aplicação da convenção. Segundo ela, a aplicação da convenção hoje tem sido feita com que centenas de mães sejam separadas de seus filhos por companheiros de nacionalidades diferentes por mero processo administrativo.
Ela defende que as mulheres sejam ouvidas e acolhidas. Se a violência doméstica não foi comprovada posteriormente, aí sim as crianças seriam devolvidas aos seus genitores no exterior.
Ações do Itamaraty
Secretária de Comunidades Brasileiras no Exterior e Assuntos Consulares e Jurídicos do Itamaraty, a embaixadora Márcia Loureiro informou que no ano passado a rede consular brasileira fez 223 repatriações individuais e dá atenção especial àquelas que são mais suscetíveis às notáveis de direito, incluindo mulheres, menores, pessoas com deficiência, pessoas LGBTQIA+ e pessoas que sofrem discriminação racial.
Segundo ela, parte do esforço do Itamaraty é capacitar agentes consulares para lidar com o problema de forma humanizada. A boa parte da rede consultar oferece também atendimento psicológico e jurídico em português para essas pessoas.
Além disso, ela acrescentou que a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 também é acessível no exterior. E citou ainda a criação do primeiro espaço da mulher brasileira no exterior na cidade norte-americana de Boston.
A embaixadora relatou ainda que a prevenção é uma parte essencial do combate à violência contra a mulher. “Então nós lançamos no início deste ano uma cartilha Prevenções contra Violências contra a Mulher Brasileira no Exterior, elaborada em conjunto com o Ministério das Mulheres”, informou. “E em junho último publicamos a cartilha sobre subtração internacional de crianças, em colaboração do Ministério de Justiça e Segurança Pública e da Revibra Europa”, acrescentou. A Revibra é uma rede europeia de apoio a mulheres migrantes vítimas de violência doméstica e/ou discriminação.
Falta de medidas de proteção
A assistente jurídica da Revibra, Aline Guida, observa que na Europa quase nenhuma legislação prevê medidas protetivas contra a violência psicológica, financeira e administrativa.
Na audiência, a brasileira Judith Moura de Oliveira, que mora na Itália há 43 anos, relata que durante 19 anos sofreu violência, inclusive várias tentativas de assassinato, mas aguentou para que seus filhos não fossem retirados. “A mulher estrangeira tem medo das leis e de não ser bem interpretada”, reiterou. Ela recebeu o título de Cônsul Honorária do Brasil em Trieste, Itália, pelo trabalho que hoje faz junto a outras brasileiras vítimas de violência no exterior.
Reportagem – Lara Haje
Edição – Geórgia Moraes