19/11/2024 – 20h23
• Atualizado em 19/11/2024 – 21h55
Mário Agra/Câmara dos Deputados
Aliel Machado, relator da proposta
A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (19) projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil. A proposta estipula um mercado regulado e um mercado voluntário de títulos representativos de emissão ou remoção de gases de efeito estufa. As empresas que mais poluem deverão seguir meta de transferência, podendo utilizar esses títulos para compensação.
O texto que será enviado à sanção presidencial é um substitutivo do Senado ao Projeto de Lei 182/24. O relator, deputado Aliel Machado (PV-PR), afirmou que a proposta representa um marco crucial na trajetória brasileira em direção à sustentabilidade e ao combate às mudanças do clima. “Temos a oportunidade de unir as duas principais agendas do País em uma só: a discussão econômica e a agenda ambiental.”
O mercado regulado de títulos será implantado de forma gradativa ao longo de seis anos. Denominado de Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), esse mercado permite a negociação de Cotas Brasileiras de Emissão (CBE) e de certificados de redução ou remoção de verificação de emissões (CRVE).
Contexto internacional
Aliel Machado disse que medidas como o Mecanismo de Ajuste Fronteiriço de Carbono (CBAM), mecanismo de tributação de carbono aduaneiro para produtos exportados para a União Europeia (UE), trariam prejuízos bilionários aos exportadores brasileiros, caso não conseguissem demonstrar os seus diferenciais de descarbonização em relação à concorrência. “Muito mais barato precificar as emissões no Brasil do que esperar que isso aconteça nos países importadores, nivelando injustamente a nossa produção, notavelmente limpa, aos piores emissores de gases de efeito estufa em nível internacional”, disse.
Machado destacou que o mercado voluntário de crédito de carbono é uma grande oportunidade para o Brasil, pelo estoque de carbono nas florestas nacionais. Esse mercado é caracterizado pela aquisição de créditos por parte de empresas, instituições e pessoas físicas que desejam estar relacionadas com a estratégia climática, de modo a minimizar os impactos do aquecimento global.
Setor agropecuário
A agropecuária terá de fora da regulação, e as emissões indiretas de dióxido de carbono e outros gases relacionados ao aquecimento global decorrentes da produção de insumos (fertilizantes, por exemplo) ou materiais agropecuários primários não serão consideradas para impor obrigações de contenção de emissão de gases.
Segundo dados do relatório denominado Estimativas Anuais de Emissões de Gases de Efeito Estufa no Brasil (6ª edição-2022), do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, a participação do setor ficou em 28,5% das emissões totais em 2020.
Já o Observatório do Clima indica que as emissões do setor agropecuário em 2022 atingirão 617,2 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente (tCO2e), correspondendo a 27% das emissões nacionais.
Crise climática
O coordenador da Frente Parlamentar Mista Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP), defendeu uma proposta como ferramenta para enfrentar uma crise climática. “A maioria dos países do G20 já tem leis específicas sobre o mercado de carbono e já estão muito à frente. Temos uma possibilidade muito grande para os projetos de reflorestamento”, afirmou.
Ele participou da delegação brasileira na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP29) em Baku, capital do Azerbaijão, que vai até domingo (24).
Já o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), vice-líder da oposição, disse que a regulamentação atual tem sido ineficaz para conter o desmatamento ilegal, “o verdadeiro problema das emissões”. “É preciso trazer soluções que não conflitem com o desenvolvimento econômico sustentável”, disse.
Para o deputado Chico Alencar (Psol-RJ), há avanços no texto do Senado, como o direito de consulta prévia aos territórios de povos indígenas e tradicionais; e o detalhamento de critérios mínimos para repartição justa e equitativa dos recursos pela movimentação de créditos. “O Senado melhorou o projeto, impediu alguns danos e faz com que a gente honre nossos compromissos no Acordo de Paris”, afirmou, ao citar o acordo internacional para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais .
Períodos de compromisso
Segundo o projeto, cada cota ou CRVE representará uma tonelada de dióxido de carbono equivalente (tCO2e) e, no caso do mercado regulado, ao fim de períodos de compromisso as empresas com atividades reguladas deverão fazer um levantamento das emissões líquidas (total de gases emitidos menos reduções ou captações) e haverá um cancelamento de ambos (um certificado de redução ou remoção permite cancelar uma cota de emissão de gases).
A ideia é que, após um tempo de adaptação, as atividades econômicas com mais dificuldades de redução de emissões por processos tecnológicos comprem cotas para poluição e certificados que atestem a coleta do que foi liberado na atmosfera, zerando a emissão líquida.
A compra e venda, quando realizada no mercado financeiro e de capitais, estará sujeita à regulação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), mas poderá haver colocação privada desses ativos (mercado voluntário).
Em todo o caso, o texto proíbe a tributação de emissões de gases do efeito estufa realizadas por atividades, instalações ou fontes regulamentadas pelo SBCE, cuja normatização caberá exclusivamente ao governo federal.
Quem será regulamentado
Terão algum tipo de controle as atividades que emitem acima de 10 mil tCO2e por ano, mas com diferentes obrigações. Aquelas com emissões acima desse patamar e até 25 mil tCO2e deverão submeter ao gestor do SBCE um plano de monitoramento das emissões, enviar um relatório anual de emissões e remoções de gases e atender a outras obrigações previstas em decreto ou ato específico desse gestor.
Aqueles que operam atividades com emissões acima de 25 milhões de tCO2e por ano, além dessas obrigações terão de enviar anualmente ao órgão gestor um relatório de conciliação periódica de obrigações (emissão igual à coleta).
Esses patamares de emissão poderão ser aumentados levando-se em conta o custo-efetividade da regulação e o cumprimento dos compromissos reforçados pelo Brasil perante a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (IPCC).
Entretanto, essas obrigações somente se aplicam às atividades para as quais existem metodologias consolidadas para medir e verificar emissões, conforme definido pelo órgão gestor do SBCE.
Saneamento básico
Quanto ao setor de saneamento básico, o texto dispensa que empresas de tratamento e destinação final de resíduos sólidos e efluentes líquidos cumpram os limites quando comprovadamente adotarem sistemas e tecnologias para neutralizar tais emissões.
Cinco fases
O mercado regulamentado será implantado em cinco fases. Na primeira, de 12 meses prorrogáveis por mais 12, deverão ser editados os regulamentos. Na fase seguinte, os operadores das atividades reguladas terão um ano para implantar instrumentos de medição para fazer o relato das emissões.
Na fase 3, de dois anos, esses operadores terão apenas de apresentar, ao órgão gestor do sistema, um plano de monitoramento e um relatório de emissões e remoções de gases de efeito estufa.
Na fase 4, terá vigência o primeiro Plano Nacional de Alocação, com distribuição gratuita de cotas de emissão (CEB) e implementação do mercado de ativos (negociação em bolsa das cotas de emissão e dos certificados de remoção de gases).
A última fase resultará na implantação plena do SBCE.
Conceitos
O mecanismo criado pelo PL 182/24 prevê que as atividades regulamentadas tenham de cumprir metas de redução de suas emissões dentro de um período de compromisso. Para detalhar o que foi emitido, o plano de monitoramento será um documento com a sistemática de medição e de verificação das emissões.
Para aqueles que emitem muito e precisam compensar as emissões com certificados de captura ou redução de gases, será exigida, ao final do período de compromisso, uma conciliação periódica das obrigações, momento em que devem ter títulos suficientes para igualar emissões e reduções ou remoções de gases do efeito estufa.
Mário Agra/Câmara dos Deputados
Deputados aprovaram o projeto na sessão do Plenário
O texto aprovado também introduz conceitos para o certificador de projetos ou programas de crédito de carbono, responsável por verificar a aplicação das metodologias de contagem de carbono; e para o desenvolvedor desses projetos, ao qual caberá a efetivação da implantação do projeto.
Plano nacional
Para cada período de compromisso, um Plano Nacional de Alocação definirá o limite máximo de emissões, a quantidade de CBEs a serem alocadas entre as operadoras e o percentual máximo de CRVEs admitidos na conciliação periódica de obrigações e outros detalhes.
Esses planos deverão ter metas graduais para cada período de compromisso de redução de emissões e ser aprovados com antecedência mínima de 12 meses de sua vigência. Terão ainda de estimar a trajetória dos limites de emissão de gases de estufa efeito para os dois períodos de compromisso subsequentes e considerar a necessidade de garantir cotas adicionais para eventuais novos operadores sujeitos à regulação (uma nova fábrica, por exemplo).
Na definição do limite de emissões, deverá ser seguida a proporção entre as emissões dos setores regulamentados e as emissões totais do País, devendo-se observar a proporção entre as emissões e o número de unidades dos bem produzidos, assim como as variações dos volumes produzidos em razão de aspectos mercadológicos ou mudanças na capacidade instalada da fonte emissora de gases.
Já as cotas de emissão dos poluentes serão alocadas em função:
- do desenvolvimento tecnológico;
- dos custos marginais de abatimento;
- das remoções e ganhos históricos de eficiência; e
- de outras parâmetros definidas pelo órgão gestor.
Tributação
A tributação dos ganhos com a negociação dos títulos ou mesmo de créditos de carbono seguirá a legislação vigente do Imposto de Renda para cada imposto, devendo ser calculada como ganhos líquidos se a negociação ocorrer em bolsas de valores, mercadorias e de futuros e em mercados do balcão organizado. Nos demais casos, segue-se a tributação de ganho de capital.
As regras valem ainda para qualquer participante no mercado secundário de títulos.
Quando a inclusão dos ganhos na base de cálculo do IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), poderão ser deduzidas como despesas com a redução ou remoção de emissões de gases de efeito estufa vinculadas à geração de certificados e de créditos de carbono, incluindo gastos administrativos e financeiros com a emissão, registro, negociação, certificação ou escrituração.
Essas deduções valerão ainda quando houver cancelamento de títulos para compensar emissões de gases, seja no mercado regulado ou de maneira voluntária.
Apesar da incidência do Imposto de Renda, as receitas não pagarão PIS e Cofins.
Reserva legal
A recomposição, a manutenção e a conservação de áreas de preservação permanente (APPs), de reserva legal ou de uso restrito e de unidades de conservação poderão gerar créditos de carbono, nos termos do regulamento.
Seguradoras
Também como garantias, as entidades abertas de previdência complementar, as sociedades de capitalização e as resseguradoras locais deverão comprar um mínimo de 1% ao ano de ações ambientais para compor suas reservas técnicas e de provisões.
Saiba mais sobre a tramitação de projetos de lei
Reportagem – Eduardo Piovesan e Tiago Miranda
Edição – Pierre Triboli